domingo, 13 de junho de 2010

Amar...




Que pode uma criatura senão,
senão entre criaturas, amar ?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar , desamar, amar ?
sempre, e até de olhos vidrados, amar ?
Que pode, pergunto, o ser amoroso
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar ?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho,
e uma ave de rapina.
Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor,
e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito,
e a sede infinita.

Carlos Drummond de Andrade

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